sexta-feira

viajar através da noite

“A noite é também um sol”. A frase do Zaratustra condensa perfeitamente o princípio dualista de interação entre opostos e a possibilidade de incorporação do outro (o outro aqui não é necessariamente um “outro-sujeito”, mas principalmente a idéia do diferente, de um “que não sou”) e de transformação do sujeito.
É justamente no deslocamento de uma posição dominante, dominada pelo sujeito e possivelmente conformista e conservadora, para uma situação insólita, inédita e assustadora pela sua novidade, que reside a questão existencial: aceitá-la e incorporá-la, potencializando-a para a vida, ou submeter-se ao peso inercial do desconforto e submergir com o impacto da mudança.
Afinal, se “a noite é também um sol”, “o sol é também uma noite”.

A viagem é uma medida dessa bifurcação, e a experiência é mais radical na medida em que ela lida com expectativa temporal. Uma adaptação de dias, semanas ou alguns meses é preparada em função da volta, é um deslocamento provisório. O desterro, o exílio, a mudança definitiva, obriga o sujeito a carregar consigo as próprias raízes, não há mais volta, a não ser como melancolia e/ou nostalgia — e essa melancolia pode ser uma melancolia enlutada, no sentido freudiano de recalque e repetição, ou potência de transformação e re-construção, como o próprio Nietzsche propôs e outros filósofos, como Benjamin, pensaram. Ou seja, imobilidade ou movimento, morte ou vida, fechar ou abrir.