domingo

bases para a escrita sampler

nossa natureza está no movimento;
a calma completa é a morte.


I.
A proposta da série “Invasores de corpos” é justamente exercer na escrita a relação de forças que age sobre textos teóricos e literários — e sobre a qual a escrita sampler transita e reflete.
Através da apropriação da expressão “invasores de corpos”, o procedimento é nomeado e executado como filosofia estética.
Uma filosofia e uma estética sampler.


II.
Que novas frentes se abrem? Dos caminhos vislumbrados nos fotogramas "&&&", quais podem ser os que não serão velados quando as imagens forem reveladas?

III.
Pouco antes de escrever estas perguntas, pensando nelas, encontro, me deparo, sou encontrado?, por um pequeno diálogo — uma espécie de epígrafe às avessas.

IV.
— Palavra diferente de qualquer palavra já dita e por isto sempre nova, jamais ouvida: exatamente palavra inaudita e à qual devo no entanto responder.
— Tal seria então minha tarefa: responder a esta palavra que ultrapassa meu entendimento, responder sem tê-la realmente ouvido e responder repetindo-a, fazendo-a falar.
— Nomear o possível, responder ao impossível: eu me lembro que havíamos designado assim os dois centros de gravidade de toda linguagem.
— Esta resposta, esta palavra que começa respondendo e que, neste começo, repete a questão que lhe vem do desconhecido e do estrangeiro, eis o que está no princípio desta responsabilidade, da forma como ela se exprimirá depois, na dura linguagem da exigência: é preciso falar.
Falar sem poder.
Manter a palavra.

V.
Que importa quem fala?



Contém samples de Maurice Blanchot, que trabalha com bases de Emmanuel Lèvinas, e Samuel Beckett.

sábado

invasores de corpos:manifesto sampler [8pp.rmx]

&&& É PRECISO NASCER

Mais que um. É preciso ser sempre mais que um para falar, é preciso que haja várias vozes.

Que importa quem fala?

A verdadeira atividade literária não pode ter a pretensão de desenrolar-se dentro de molduras. A atuação literária significativa só pode instituir-se em rigorosa alternância de agir e escrever.

A crítica tem que falar na língua dos artistas. Pois os conceitos do cenáculo são senhas. E somente nas senhas soa o grito de batalha.

O escritor não diz mais do que pensa (e pensa mais do que diz).

O crítico não é o intérprete de épocas artísticas passadas. O crítico é um estrategista na batalha da literatura.

O leitor-ouvinte está entregue aos seus próprios recursos.


&&& CORTAR O CORDÃO UMBILICAL

Escrever não se aloja em si mesmo.

Não ponho aspas. As palavras são minhas. Não importa quem fala. Sou quem pode dizer o que disse. Fui eu quem escreveu. Agora abro as comportas e deixo que elas, as palavras, as vozes, se espichem, se multipliquem, se fortaleçam. Aglutinação pela dispersão. Ele(s) redige(m), mas sou quem escreve. Um corpo em disponibilidade para si e para o outro.

Todo es de todos, a palavra é coletiva e é anônima.

Nosso prazer não tem sido mais do que o ossário natal do tempo morto. Pensar e escrever novamente como uma violência e um prazer. Ser feliz significa poder tomar consciência de si mesmo sem susto.

É preciso nascer, sair do plasma que cobre os corpos invadidos, romper o cordão umbilical.

Você abre os olhos: sua mãe está ali, deitada sobre a cama. Seu pai segura o cordão umbilical. Você está no mundo. Bem-vindo! Mas você não está devotado apenas ao que o inédito umbigo circunscreve, o corte do cordão umbilical te lança à perda da pureza, estás liberto da origem, estás liberto do mito. Invadir o corpo do mundo, e ser invadido por ele é o que você faz agora (e para sempre).

Que importa quem fala?

A escrita sampler acumula por afeto, pelo que a afeta, tudo aquilo que vê, ouve e experimenta à sua soma.

Apropriar para produzir, e não para reproduzir.
A escrita sampler como uma forma de “dobrar” a matéria, a referência, o sujeito que existe > criar uma nova/outra/diferente subjetivação do texto/música/matéria.

Uma escrita não começa nem conclui, ela se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo.
Anular fim e começo.
A escrita se torna o exercício do eu + 1, do eu somado a outros “eus” que falam – refalando – em seus textos. A escrita sampler esvazia a figura do autor-ego, e seu papel em relação ao discurso, criando um novo jogo de forças e oposições possíveis.

A linguagem não pode mais se deixar prender à teatralidade filosófica do seu objeto. Deve se tornar, também ela, uma atentado por fascinação.

Não significa que, daqui para a frente, não haverá forma na arte. Significa apenas que haverá uma nova forma, e que essa forma será de um tipo que admitirá o caos, sem tentar dizer que o caos é na verdade outra coisa. Encontrar uma forma que acomode a desordem: eis a tarefa do artista hoje.
As possibilidades analíticas precisam convergir, e não se digladiar.



&&& A PUREZA É UM MITO

A entropia da originalidade.
Entropia: Medida da quantidade de desordem de um sistema.
Desordem da pureza, desordem do mito.

A questão é: que tipo de pirata queremos ser? Bucaneiros sanguinários ou invasores de corpos, manipuladores edukators do que está aí e aqui, dentro e fora? Podemos ser sombras esperando a hora e a esquina adequada para invadirmos o corpo mais interessante, esperando a quebrada exata para roubarmos por um instante o seu doce mais profundo. Mas para que rimar amor com dor?

Invado porque todas as casas são minhas, todos os eus me pertencem, estou em você porque você sou eu e eu sou você, mi casa su casa. Unbreakable porque a circularidade não tem portas nem grades. A idéia não é ficar, é mover. Podemos ser corpos materiais que se duplicam num abraço, podemos ser como a última frase de João XXIII: multiply and difuse. Podemos ser camaleões e usar outros como disfarce, mas o sentido não é esse: o sentido é ATRAVESSAR, invadir e sair outro, e se você também puder ser outro depois da invasão, depois de ser trespassado, bem-vindo, esse é o mundo sampler!

A única maneira de defender a língua é atacá-la. Cada escritor é obrigado a fabricar para si sua língua.

Escrever é um esforço inútil de esquecer o que está escrito (nisto nunca seremos suficientemente borgeanos). Por isso, em literatura os roubos são como as recordações: nunca totalmente deliberados, nunca demasiadamente inocentes. As relações de propriedade estão excluídas da linguagem: podemos usar as palavras como se fossem nossas, fazê-las dizer o que queremos dizer.

Na primeira edição de “Lavoura arcaica” há uma nota em que o leitor é apresentado à escrita sampler. A partir da segunda edição o escritor retira o informe e apaga os rastros dos textos sampleados. O que é o pensamento, a filosofia, a escrita senão uma enorme e contínua remixagem?

Uma fábula sampler não tem moral:
1. Em Praga, no Café Arcos, na mesa de Piglia, sentado, Kafka, o solitário. Fevereiro de 1910. Está diante de Adolf, o pintor, um falso Tittorelli e quase onírico.
2. Na mesa de Thomas Bernhard, profecias: Heidegger é o pequeno burguês da filosofia alemã. O homem que colocou na filosofia alemã a sua touca de dormir kitsch.
3. Na mesa de Kafka, com seu estilo, que agora conhecemos bem, o insignificante e pulguento pequeno-burguês austríaco que vive semiclandestino em Praga porque é um desertor.
4. Aquela touca de dormir kitsch que Heidegger sempre usou, em todas as ocasiões.
5. Aquele artista fracassado que ganha a vida pintando cartões-postais, desenvolve, diante de quem ainda não é, mas que já começa a ser Franz Kafka, seus sonhos fanhosos, desmedidos, nos quais entrevê sua transformação no Führer, no Chefe, no Senhor absoluto de milhões de homens, criados, escravos, insetos submetidos a seu domínio.
6. Heidegger é o filósofo da pantufa e da touca de dormir dos alemães, nada mais, diz Reger na mesa ao lado.

O filho interfere na publicação da obra de Graciliano Ramos. A sua biografia o apresenta como escritor, o seu comportamento o coloca como tutor, censor, interventor.
A irmã de Nietzsche editando os escritos do irmão depois da morte dele e a partir de uma moral pequeno-burguesa que ela intuía dividir com a sociedade e que circulava por suas artérias.


&&& DESAPROPRIAÇÃO E COMBATE

A escrita sampler vive numa cidade de senhas e mora em um bairro de vocábulos conjurados e irmanados, onde cada ruela adota cores e cada palavra tem por eco um grito de batalha.

Reconheço o que sou, e se também sou e estou no que reconheço, porque não seria meu também esse espaço? A propriedade não existe, tudo é de todos — esse é o horizonte utópico de Proudhon. Mas ela é imposta e existe de fato, então o sampler-combate desapropria, desorienta, ultrapassa, surrupia, furta. Mão leve, mão grande, falsifica, usando as armas que estão para nós, e à nossa espreita — o que é roubar um banco comparado a fundar um?

A astúcia do mentiroso, a apropriação descarada do corpo-fala do outro, comer o antropófago abrindo um jogo permanente e caótico de redirecionamento de vozes.

Este texto não é meu. Para uso de todos, em qualquer circunstância.

Pensamento do risco sampler: Escrever e ler sempre através do estatuto do Ataque, Perigo & Ritmo.

O senhor Keuner tem o vício de pensar de modo frio e incorruptível. Para que serve isso?

Não emprego o sampler “livremente”; posso fazê-lo como educador, político, organizador. Não existe critica à minha atuação literária — plagiador, perturbador, sabotador — que eu não incorporaria como título de honra à minha atuação.

Escrever des/organizando o espaço existente em direção a um novo espaço em permanente constituição. Escrevemos dentro de um sistema. Atravessemos.

Quem nada cede à língua, nada cede à causa, quem não é capaz de tomar partido tem de calar-se.

O “e” do sampling não é nunca uma sobreposição (pelo menos não total, não quer esconder nem tapar a “origem”). É muito mais uma justaposição, uma re-posição”, ou ainda: um alargamento do espaço. Esse é o “poder” da escrita sampler, sendo “poder” o que determina a ocupação de espaços. O sampling quer invadir, e invade, este espaço, sem contudo bloquear os outros corpos, ao contrário, ele se transforma neles também.

Tornar seu o que é de outro, e nesse momento em que me aproprio, desaproprio o que é de outro e rejeito a minha posse sobre ele — não uma pilhagem, uma libertação (que pode ocorrer através da pilhagem). Desapropriação — carta de alforria que é instaurada no primeiro ato e permance legislando para os que a seguirem.

AVISO AOS NAVEGANTES:
1. Os piratas não têm garantia nem procedência.
2. Nada pior do que esta obrigação da pesquisa, da referência e da documentação que se instalou no campo do pensamento, e que é o equivalente mental e obssessional da higiene.
3. Os piratas trabalham sem armaduras de qualquer espécie e sem querer saber nada sobre higiene literária.
4. Os piratas invadem e incorporam o mundo regrado das Letras, o mundo asséptico da Academia, e desaparecem e se camuflam na hora da fiscalização da Vigilância Literária.


&&& UMA INVASÃO E UMA BATIDA DEPOIS

A base para uma teoria possível do procedimento sampler na literatura invoca Hermes, o mito trans, o exu-radar que capta as transmissões e as interferências na encruzilhada dos mundos.

O procedimento sampler é fundado na forma de arte mais ancestral: a reutilização, o reaproveitamento, a releitura. O plágio é a forma mais pobre de admiração. Pierre Menard é a alegoria perfeita da esterilidade da cópia.

A escrita sampler é escritura-leitura. Todo escritor é leitor. O ato da escrita não se descola do ato de ler, nunca.

Não é citação. A citação hierarquiza conhecimentos e cria uma relação de referencialidade. A escrita sampler não hierarquiza, mas sim incorpora, reinventa.
Atravessando a bricolagem: o bricoleur trabalha com materiais fragmentados. O engenheiro trabalha a partir de matéria-prima. A escrita sampler pega o bricoleur pela mão e o apresenta ao engenheiro. Uma bricolagem engenhosa.

O sampling não trabalha com princípios morais: mexe, manobra, manipula, inventa a história do outro, o outro, inventa a si mesmo.

Não é imitação. O que se imita é desde sempre uma cópia. Os sampleadores não imitam, subvertem, trabalham e transformam.

Atravessando a menipéia: A palavra não teme ser difamada. Ela se emancipa de valores pressupostos; sem distinguir vício de virtude, e sem se distinguir deles, considera-os como domínio próprio, como uma de suas criações.

Leio e liberto. Deixo de ser eu e navego na dispersão.

É preciso arrancar de si a sua própria ultrapassagem; compreender que a linguagem — o presente das línguas que Iahweh soprou na boca de Adão — tem uma vitalidade rebelde e desobediente.

Ao invés da metáfora do caçador na selva ou da tauromaquia, o atravessador de informação, uma antena da palavra clandestina, nunca uma antena da raça, escritor quebra-lei perdido no coração da grande babilônia, contrabandista de palavras sem papel.

Em literatura, os roubos, assim como as recordações, nunca são inocentes. A verdadeira história da literatura é uma história de ladrões.


&&& A POTÊNCIA DO FRAGMENTO X O DELEITE ESTÉRIL DA RUÍNA

O livro deve se fracionar à imagem da desaceleração das situações de choque. Deve fraturar-se à imagem dos estilhaços do fotograma. Deve enrolar-se sobre si mesmo como a serpente sobre as colinas do céu. Deve derrubar todas as figuras de estilo. Deve apagar-se na leitura. Deve rir em seu sono. Deve revirar-se em seu túmulo.

E ainda assim, cada sampling, cada fragmento é um comentário, pois é uma escolha, um recorte, uma associação, uma afinidade.

Pensar na importância do fragmento como potência não-totalizadora.
A totalização é o fechamento, opera dentro de uma dimensão de falta, de perda, de tentar recuperar o que se perdeu, ou nunca existiu. O fragmento, por sua vez, é a ruína que não se quer reconstruir para que volte a ser o que foi uma vez. A dimensão do fragmento é o suplemento, e não o complemento. O que se busca é a possibilidade de um “vir a ser”, pois a potência está no que se constrói a partir dos restos, com os olhos abertos para frente, e não para a imagem apagada que está na origem da ruína e na memória saudosista. Construir de novo o imperfeito, o passado traumático, a utopia que se perdeu ou retomar a ruína com o corpo do presente, fazê-la viver e transformá-la numa outra coisa, numa terceira instância?
Nascemos com os mortos.


&&& A ESCRITA COMO MÚSICA

As palavras se movem, a música se move.

A base da escrita sampler está calcada na idéia de que literatura é movimento, de que a literatura está em movimento contínuo, em relação de interferência e reflexão permanente de vida e do seu tempo. Tradição e memória estão inscritas em determinado momento histórico mas estão “acontecendo” agora, no instante da escrita.

A literatura é, a música é. Sou, logo não serei mais, apenas outro remix de deus perdido na espécie, solto no ar, flutuando no texto do homem, fluindo no som da música que não retorna, porque é eternamente, é.

Um novo procedimento, que não é novo. Uma nova estética, que não é propriamente nova. Uma nova possibilidade, que nova também não é. Mas, sim, um ânimo novo, um novo ar, uma nova respiração, não mais artificial, fora dos aparelhos da morte. Conectado mas desligado, antenado mas descorporativado, incorporado mas desenraizado, ativado mas des-hierarquizado.

A linguagem não indica o sentido, ela está no lugar do sentido.
Escrita e música se movimentam em temporalidades simultâneas num fluxo fragmentado e sensorial constante.

Não há corpos intactos para a escrita sampler.


&&& O FIM É O MEIO

1. Esqueça o que foi dito, o que já está escrito. Esqueça para lembrar.
2. Escrever é esquecer.
3. Esse texto não é meu, não tem posse nem origem.
4. É preciso aprender todos os movimentos para esquecê-los. A música toca sozinha, através (de mim).


&&&

Falamos através, com e a partir de irmãos de espírito, invasores de corpos também invadidos aqui e sempre: Walter Benjamin, Ricardo Piglia, Helio Oiticica, Jorge Luis Borges, Silviano Santiago, DJ Shadow, Samuel Beckett, Gilles Deleuze, Friedrich Nietzsche, Thomas Bernhard, Fernando Pessoa, Artur Miró & Matafina, Glauber Rocha, Antonin Artaud, Bruce Chatwin, T.S. Eliot, Franz Kafka.

INSPIRAÇÃO: todos os artistas sampleados pela escrita sampler — essa é a homenagem literária suprema, não importa o que digam os seus advogados.

Além dos já citados, esta invasão de corpos contém samples de: Ana Paula Kiffer, Artur Omar, Bertolt Brecht, Claude Lévi-Strauss, Eneida Maria de Souza, Hans Ulrich Gumbrecht, Jacques Derrida, Jacques Rancière, Jean Baudrillard, Jean-François Lyotard, J.M. Coetzee, Karl Kraus, Marília Rothier Cardoso, Michel de Certeau, Michel Foucault, Michel Schneider, Pierre Joseph Proudhon.


&&&

Nossa natureza está no movimento; a calma completa é a morte.
Este texto não acaba aqui.


&&&

Produzido por:
Mauro Gaspar Filho & Frederico Oliveira,
aka matafina & artur miró


Safeganistão/Dar es Salaam-Cabana. Março, 2005.

sexta-feira

desmanchar as relações estáveis

Rancière diz, ele me diz, que a impossibilidade de delimitação entre uma noção comum e o conceito específico de uma coisa definida não é um defeito atribuível às imperfeições da língua ou atraso do conceito. “Literatura” é um desses nomes flutuantes que resistem à redução nominalista, um desses conceitos transversais que têm a propriedade de desmanchar as relações estáveis entre nomes, idéias e coisas e, junto com elas, as delimitações organizadas entre as artes, os saberes ou os modos do discurso. “Literatura” pertence a essa delimitação e a essa guerra da escrita onde fazem e se desfazem as relações entre a ordem do discurso e a ordem dos estados.

A literatura é, sem meias palavras (ainda bem, porque, no fundo, o que são meias-palavras, ou palavras-meias usadas para o conforto?), aquilo (um dos aquilos) que pode mover as relações, e pode nos mover.

notas sobre a escrita sampler I

18 de janeiro de 2005

Piglia & O “diário de um louco”:
A homenagem, evidente, a Joyce tem uma outra dimensão. Joyce é aquele que representa a experimentação pura da linguagem (daí o texto falar de lingüística) e quem representa o caráter incontrolável da língua, da palavra, do relato (Steve?).
> A ilha de Finnegan, Cidade ausente, o Diário de um louco, Dublin, são todos espaços utópicos da linguagem e da literatura.

[A ilha (a ilha de Finnegan) equivale à ilha de Morus – “utopia”]


16 de fevereiro

O sampling (a teoria da literatura sampler) de Piglia como um instrumento de sua postura como crítico e teórico (além de ferramenta do Laboratório).
A rasura e o apagamento das marcas de autoria são a versão pós-moderna da antropofagia, a usurpação, a desapropriação e a apropriação do discurso do/de outro para construir o seu.
Técnica/procedimento para a re-atualização da literatura menor, uma literatura “pirata”, melhor: uma literatura pirata que devora e reformula para se expressar.
Uma literatura que é política. O sampling é um ato político (para a literatura menor, e no procedimento estético).

quinta-feira

meio

o estilo é o meio, não o fim.

sexta-feira

lkj: songs of fire we will sing

sexta-feira, dia de contra-ataque, músicas de combate,
lkj é o verdadeiro nwa, lança-chamas anti-opressão.
não há arte sem política.

FITE DEM BACK
we gonna smash their brains in
cause they ain´t got nofink in ´em
we gonna smash their brains in
cause they ain´t got nofink in ´em

some a dem say dem a niggah haytah
an´ some a dem say dem a black beatah
some a dem say dem a black stabbah
an´ some a dem say dem a paki bashah

fashist an di attack
noh baddah worry ´bout dat
fashist an di attack
wi wi´ fite dem back
fashist an di attack
den wi countah-attack
fashist an di attack
den wi drive dem back

we gonna smash their brains in
cause they ain´t got nofink in ´em
we gonna smash their brains in

a voz

O que quer que possa ter havido de revolucionário em seus ideais está morto, enterrado, vilipendiado, não-ressurrecto, abandonado, transformado, distorcido e aviltado. Apenas sente e escreva, ele diz, você diz, a voz diz. O que seria isso exatamente, isso que a voz diz?

lèvinas, filósofo do outro e filho de rabino lituano

Todo se puede intercambiar entre los seres, salvo el existir.
Si es incomunicable es que está arraigado en mi ser, que es lo más privado em mí.

bernhard aos 19, se achando à altura de trakl e celan

Para mim cada estrela é a polícia.
No firmamento marcial, cada oceano
um mar de insígnias, merda uniformizada!
A loucura é o vermelho na bandeira da minha prisão.

Enquanto minhas costas são chicoteadas,
minha cabeça vermelha incha e ondula no vento da tarde.
Eu ando vergado onde eu ando contra isso,
onde não posso achar nada para comer.

Nos meu olhos brilha o furacão
das leis afiadas que mordem sem descanso.
Eu sou o meu próprio cão, e você minha companhia.
Eu uivo na cela da luxúria.

Que espécie de vinho é você, meu Mestre Urina?
Eu ando bêbado através de crânios raspados
do sub-submundo, através da ruína
e da minha fome entrelaçam-se nele rabos de porco.

ouviver

Saber ouvir é saber ver. (Saber ouvir é saber ler, ou seja: é saber apropriar, saber samplear.) O escritor como vidente e ouvidor, finalidade da literatura: é a passagem da vida na linguagem que constitui as Idéias, escreve Deleuze.
Transmitir à linguagem vida ou morte.

breakbeat

Um texto como o olhar, quebrado como a minha atenção.
O reflexo na janela sobrepõe o velho de camisa quadriculada se arrastando à garçonete que anda de um lado para o outro.
A marquise suja em frente aponta seus holofotes na minha direção.
Os ouvidos sempre cheios de música.

vegan power

Vegan não quer dizer vegetariano, ingênuo, chatomala, vegetalfreak.
Vegan significa "vigor", "energia", "força".

4 pontos claros para uma filosofia vegan por Peter Singer:

I. Nós devemos ter a consciência do sofrimento que todos os seres são capazes de ter - e no meu ponto de vista, essa categoria engloba todos os animais vertebrados, provavelmente alguns invertebrados também. Se eles são humanos ou não, não é uma questão moralmente relevante. E se eles são pessoas, segundo eu defini antes, é importante saber se temos justificativas para acabar com suas vidas sem o consentimento deles.

II. Viver uma vida ética é viver com igual consideração para todos os seres, de modo que demos o mesmo peso para o sofrimento e angústia deles, e também para sua felicidade, como nós damos para os nossos. Isto é um critério muito exigente, é claro.

III. Vamos deixar isto claro: eu não acho que animais humanos e não-humanos sejam iguais. Mas é claro que alguns animais não-humanos são mais inteligentes que alguns seres humanos, por exemplo, aqueles com grave dano cerebral. Não penso que todos os animais devam ter os mesmos direitos. Suas habilidades e importância são diferentes. Meu ponto de vista é que devemos tratar animais com igual consideração. Se nós fizéssemos isto, tanto humanos quanto animais estariam melhor. Não haveria barracões com centenas de galinhas, todas em gaiolas, nem fazendas com milhares de porcos, todos presos, nem gado confinado. Em vez disso, nós poderíamos comer mais vegetais. Isto não apenas seria melhor para os animais como também para o nosso planeta. Nós poderíamos também produzir mais alimentos se nós não déssemos tantos vegetais para alimentar os animais. Nós seríamos mais saudáveis, porque uma dieta com muita carne não é saudável.

IV. O argumento básico é muito simples: comer animais causa o sofrimento para seres sensíveis. Não precisamos comer animais para sermos saudáveis ou bem nutridos. Claro que isso não se aplica a selvagens que vivem nas florestas. Mas aos homens da cidade, que têm a escolha da comida de supermercado. Agora, acho que não existe um bom argumento ético contra matar uma coisa viva que não possui sentimentos ou consciência, como uma planta. Então não existe posição de defesa que seja mais radical do que a minha.

piglia encontra renzi

Eu tinha dezesseis anos. Vivi essa viagem como um desterro. Não queria ir embora do lugar onde tinha nascido, não podia conceber que fosse possível viver em outra parte e na verdade depois disso nunca fez diferença o lugar onde vivi.

viajar através da noite

“A noite é também um sol”. A frase do Zaratustra condensa perfeitamente o princípio dualista de interação entre opostos e a possibilidade de incorporação do outro (o outro aqui não é necessariamente um “outro-sujeito”, mas principalmente a idéia do diferente, de um “que não sou”) e de transformação do sujeito.
É justamente no deslocamento de uma posição dominante, dominada pelo sujeito e possivelmente conformista e conservadora, para uma situação insólita, inédita e assustadora pela sua novidade, que reside a questão existencial: aceitá-la e incorporá-la, potencializando-a para a vida, ou submeter-se ao peso inercial do desconforto e submergir com o impacto da mudança.
Afinal, se “a noite é também um sol”, “o sol é também uma noite”.

A viagem é uma medida dessa bifurcação, e a experiência é mais radical na medida em que ela lida com expectativa temporal. Uma adaptação de dias, semanas ou alguns meses é preparada em função da volta, é um deslocamento provisório. O desterro, o exílio, a mudança definitiva, obriga o sujeito a carregar consigo as próprias raízes, não há mais volta, a não ser como melancolia e/ou nostalgia — e essa melancolia pode ser uma melancolia enlutada, no sentido freudiano de recalque e repetição, ou potência de transformação e re-construção, como o próprio Nietzsche propôs e outros filósofos, como Benjamin, pensaram. Ou seja, imobilidade ou movimento, morte ou vida, fechar ou abrir.

a utopia de piglia

A primeira definição para “utopia” do Aurélio Século XXI é “país imaginário, criação de Thomas Morus (1480-1535), escritor inglês, onde um governo, organizado da melhor maneira, proporciona ótimas condições de vida a um povo equilibrado e feliz”.
Depois aparecem “descrição ou representação de qualquer lugar ou situação ideais onde vigorem normas e/ou instituições políticas altamente aperfeiçoadas” e “projeto irrealizável; quimera; fantasia”.
Morus “formou o vocábulo com os elementos gregos óu ‘não’ e tópos ‘lugar’”, diz Antônio Geraldo da Cunha no Dicionário Etimológico.
Utopia significa então, primeiramente, não-lugar. Um “não-lugar” que é imaginado e pensado em oposição ao “lugar” existente, dominante e imposto. Lugar é “espaço ocupado”, de acordo com a primeira definição do Aurélio. E quem o ocupa é a realidade. O lugar existente é o lugar do real, onde utopia será sempre a quimera, o projeto impossível, a fantasia. O espaço criado em oposição ao real, como um duplo anti-idiotia, é um espaço lacunar, em aberto, que só pode existir na sua construção, ou será apenas fantasia, duplicação vazia da idiotia aparente.

[Um “não-lugar” que é bem diferente do conceito de “não-lugar” concebido de Marc Augé. Ainda assim, parece possível pensar em aproximá-los no sentido de que são, guardadas as proporções, espaços “irreais”, espaços que não são (e por isso, podem vir a ser).]

clèment-rosset, filósofo da alegria e maníaco-depressivo

Um real que é apenas o real, e nada mais, é insignificante, absurdo, ‘idiota’.
A realidade é efetivamente idiota. Porque, antes de significar imbecil, idiota significa simples, particular, único de sua espécie. Assim é, na verdade, a realidade, e o conjunto dos acontecimentos que a compõem: simples, particular, única – idiotés –, ‘idiota’.
Esta idiotia da realidade é, aliás, um fato reconhecido desde sempre pelos metafísicos, que repetem que o ‘sentido’ do real não poderia ser encontrado aqui, mas sim em outro lugar.

diz piglia a negreiros

A relação entre falso e verdadeiro é muito imprecisa. Dependendo da maneira como as pessoas encaram a vida e a literatura, algo pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo. É um jogo de elementos de incerteza e indecisão. Nem tudo é totalmente falso ou verdadeiro.

quinta-feira

é isso?

chegamos, eu & todosoutros, quinta-feira, ressaca e fome.
abrindo os trabalhos > minúsculas no mais das vezes.
o sol não me esquenta aqui dentro, mas em breve estarei fora, orbitando o fogo.
bem-vindo: